Por vezes, as experiências místicas são tão belas, que não há outra forma de expressá-las, a não ser através de um poema.
A poesia, de fato, tem este poder de dizer o que beira o indizível. E se não consegue dizer tudo, ao menos se aproxima mais do que a prosa, pois “diz sem dizer”, apenas expressando, muitas vezes, o gozo e a angústia da alma que sente algo tão alto, que não consegue sintetizar a experiência em palavras. A poesia tenta, ou apenas sente a dor de tentar e não conseguir por completo.
Dentre os vários santos que expressaram seu relacionamento com Deus através da arte, está o místico carmelita espanhol São João da Cruz.
É dele a autoria da dica da semana de hoje, que é uma de suas obras mais belas: Noite escura, publicada no Brasil pela Editora Vozes.
Noite escura é o nome do poema que fala a respeito do que sente a alma diante das purificações passivas ou, como João da Cruz chama, das noites escuras que Deus permite que o orante viva, a fim de chegar à perfeita união com ele. O livro trata-se da explicação do autor para cada verso. Segue o poema, para quem ainda não o conhece:
Em uma noite escura, de amor em vivas ânsias inflamada
Oh! ditosa ventura! Saí sem ser notada,
Já minha casa estando sossegada.
Na escuridão, segura, pela secreta escada, disfarçada,
Oh! ditosa ventura!
Na escuridão, velada, já minha casa estando sossegada.
Em noite tão ditosa, e num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa, sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.
Essa luz me guiava, com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava quem eu bem conhecia,
Em sítio onde ninguém aparecia.
Oh! noite que me guiaste, Oh! noite mais amável que a alvorada
Oh! noite que juntaste Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!
Em meu peito florido que, inteiro, para Ele só guardava
Quedou-se adormecido, E eu, terna, O regalava,
E dos cedros o leque O refrescava.
Da ameia a brisa amena, quando eu os seus cabelos afagava
Com sua mão serena em meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.
Esquecida, quedei-me, o rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me, largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.
Infelizmente, João da Cruz não conseguiu terminar a explicação do poema inteiro, todavia, vale a pena ler e rezar com as palavras do santo, que, certamente, nos farão compreender melhor a bela coletânea de canções e poesias que ele nos deixou.
Nº de Páginas: 184 páginas
Editora: Vozes;
Edição: 6ª (1 de janeiro de 2014)
Idioma: Português
Boa leitura!