Ao abordarmos o homem segundo o modelo biopsicossocial de Engel (Cigoli e Mariotti, 2002), atualmente muito usado quando se fala de saúde e prevenção, queremos demonstrar o quanto o aspecto da interação é fundamental na constituição da saúde. Tal modelo ultrapassa uma visão simplista, porque indica que a interação entre fatores biológicos, psicológicos e sociais é que determina o estado de saúde ou doença no indivíduo. Em nível biológico, faz referência às características genéticas ou biológicas sobre as condições de saúde; em nível psicológico, reconhece o quanto os fatores psicológicos e emocionais influenciam na saúde; e, por fim, em nível social, indica o quanto a família, a comunidade, a cultura, os meios sociais e a qualidade de vida incidem sobre a saúde.
O homem vive e está constantemente em interação. Tal visão holística nos remete à teoria sistêmica, a qual nos fará ver que a unidade não é somente a soma de partes singulares, mas ter uma visão sistêmica significa ter a percepção de que qualquer tipo de mudança influencia cada parte singular, e por sua vez qualquer mudança, por menor que seja, em uma dessas pequenas partes, modifica o sistema como um todo (Baldoni, 2010). O meio social em que uma pessoa vive influencia sua dimensão biológica, psicológica ou emocional, ou seja, é gerador também de saúde ou não. Da mesma forma, se o indivíduo goza de um bom estado biológico, psicológico e emocional, com certeza, ele influenciará positivamente o meio em que vive. Portanto, a visão holística nos faz ver que o homem não vive sozinho, que ele não é apenas sua dimensão biológica ou psíquica isoladamente, mas ele vive em “rede” e em “rede” ele cresce, e se plenifica.
Vanistendael e Lecomte (2000), dois teóricos especializados em resiliência, além de considerar a unicidade do homem dentro dessa visão holística, introduzem outro componente – o tempo. Viver em “rede” e contar com o tempo, sabendo que vivemos um contínuo processo de integração e crescimento, no qual nada se perde. Não existe crescimento em um caminho já perfeito. Portanto, a abertura e a flexibilidade são importantes diante das imperfeições. O tempo que vai regendo passado, presente e futuro constantemente vai colocando o homem em uma possibilidade de crescimento e integração. A fragilidade muitas vezes vem de provas vividas, mas a força vem da prova superada. E o tempo é que vai permitindo colher tal crescimento.
Além de uma dimensão biológica, psíquica e social, existe um quarto elemento que merece ser contemplado nessa visão holística: a dimensão espiritual. Sobre isso, analisando alguns estudos de Fizzotti (1992) sobre a antropologia de Victor Frankl, vemos que o homem não é um ser cujo fim está em si mesmo, mas um ser em relação, em movimento, livre e responsável em decidir, um ser composto de três dimensões fundamentais: soma, psique e noos ou espírito. Essas três dimensões, segundo Frankl, são interdependentes e formam a unidade e totalidade do homem (Ibidem, pag. 18-19).
Esse aspecto da religiosidade pode ser orientado por duas vertentes, segundo Giuseppe Crea (2015), teórico e docente em Psicologia da Religião: a orientação intrínseca e a orientação extrínseca. Por orientação extrínseca entendemos um aspecto puramente exterior, atos externos, com uma conotação por vezes até utilitarista. Enquanto a orientação intrínseca é quando a pessoa coloca como base de suas motivações toda a sua religiosidade, interiorizando valores e os seguindo plenamente. Existe, portanto, uma diferença qualitativa entre o “fazer” religião e o “ser” religioso. Nesse segundo aspecto se vive objetivamente em direção aos outros e não a si mesmo, gerando um movimento entre nós não produtivista ou utilitário, mas de fazer-se dom, nas palavras do Papa Francisco: “O Espírito Santo trabalha como quer, quando quer e onde quer; e nós nos gastamos com grande dedicação, mas sem pretender ver resultados espetaculares. Sabemos apenas que o dom de nós mesmos é necessário.” (Papa Francisco, 2013, grifos par.279)
Por Rômulo Araujo Oliveira
Psicólogo e Consagrado na Comunidade Católica Shalom
Referências
AZEVEDO M. L. F. (2006). Escritos. Comunidade Católica Shalom. Fortaleza: Shalom.
BALDONI F. (2010). La prospettiva psicosomatica. Dalla teoria alla pratica clinica. Bologna: Il Mulino.
CHAGAS J. W. R. (2008). Uma obra nova para um novo tempo. A espiritualidade da Comunidade Católica Shalom. Fortaleza: Shalom.
CIGOLI V. – MARIOTTI M. (2002). Il medico, la famiglia e la comunità. L’approccio biopsicosociale alla salute e alla malattia. Milano: FrancoAngeli.
CREA G. (2015). Tonache ferite. Forme del disagio nella vita religiosa e sacerdotale. Bologna: EDB.
FIZZOTTI E. (1992). Teoria e pratica della logoterapia. Roma: LAS.
PAPI (2013 – FRANCISCUS PP.). Esortazione apostolica. Evangelii Gaudium. Città del Vaticano: Libreria Editrice Vaticana.
PRELLEZZO J.M. – MALIZIA G. – NANNI C. (2008). Dizionario di Scienze dell’Educazione. Roma: LAS.
VANISTENDAEL S. – LECOMTE J. (2000). Le bonheur est toujours possible. Construire la resilience. Paris: Bayard.
ARAUJO O. R. (2012). Il fronteggiamento della crisi. La resilienza come risorsa per la crescita. Roma: Università Pontificia Salesiana.
ARAUJO O. R. (2017). Cosa interrompe il mio sì? Lo stress nei missionari: un’indagine conoscitiva nella Comunità Cattolica Shalom. Roma: Università Pontificia Salesiana.
CORRADINO A. (2016). Il modello bio-psicosociale e lo psicologo nell’assistenza sanitaria primaria. Sondaggio sulla conoscenza della figura dello psicologo di base. Roma: Università Pontificia Salesiana.
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